Revista turca é acusada de publicar charge com o profeta Maomé e é alvo de protestos e prisões
Por redação com O Globo e AFP
Uma revista turca se viu em meio a protestos e teve parte de sua equipe editorial presa após a publicação de uma charge apontada como sendo do profeta Maomé, na semana passada. A LeMan, um velho alvo dos conservadores na Turquia, nega as alegações, mas o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, disse se tratar de um “crime de ódio”, e sugeriu que a publicação deve enfrentar novos problemas com a Justiça.
O desenho, em preto e branco, mostra uma cidade em chamas e sob ataque aéreo, enquanto duas figuras aladas se cumprimentam no ar: uma delas se chama Maomé, e a outra Moisés — na tradição islâmica, Maomé foi o profeta escolhido por receber a palavra direta de Deus (Allah) e a transmitir à humanidade. Moisés também é considerado um profeta no islamismo e mencionado em diversas passagens do livro sagrado, o Alcorão.
Boa parte das escolas de pensamento islâmicas veta a retratação de figuras sagradas, como de Deus (Allah), Maomé e outros profetas. Contudo, a revista nega que retratá-los tenha sido sua intenção.
"Esse desenho não é, de forma alguma, uma charge do profeta Maomé. Nessa obra, é o nome de um muçulmano que foi morto nos bombardeios de Israel. Mais de 200 milhões de pessoas no mundo islâmico se chamam Mohammed (Maomé). Jamais correríamos um risco assim", disse à AFP Tuncay Akgun, editor-chefe da LeMan.
Na rede social X, a revista afirmou que “o cartunista queria retratar a retidão do povo muçulmano oprimido retratando um muçulmano morto por Israel”, que “ele nunca teve a intenção de menosprezar os valores religiosos”.
“Não aceitamos o estigma imposto a nós por não haver representação do nosso profeta. É preciso ser muito maldoso para interpretar o cartum dessa forma”, escreveu a publicação. “Pedimos desculpas aos nossos leitores bem-intencionados, que acreditamos terem sido vítimas de provocações.”
Os argumentos não parecem ter sido suficientes.
Na segunda-feira, quatro profissionais da revista foram presos, incluindo o cartunista responsável pelo desenho, Dogan Pehlevan. Outras duas ordens de prisão foram emitidas, mas os jornalistas estão fora da Turquia, incluindo a de Akgun, que está na França.
“Condeno veementemente a caricatura descarada do nosso Profeta”, disse o Ministro do Interior, Ali Yerlikaya, em publicação na rede social X, na qual mostrou o vídeo da prisão de Pehlevan. “Isso não é liberdade de imprensa. Isso não é liberdade de expressão. Esses atos provocativos, que insultam nossos valores sagrados e ferem profundamente a consciência muçulmana, não ficarão impunes.”
Enquanto as prisões estavam sendo executadas, um grupo atacou um bar na região central de Istambul frequentado pelos profissionais da LeMan. Houve confronto com a polícia, que efetuou disparos com balas de borracha e bombas de gás. Não houve relatos de detenções. A sede da revista também foi vandalizada.
Nesta terça-feira, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, disse que a publicação se trata de um “crime de ódio”, e de “uma clara provocação disfarçada de humor, uma provocação vil”. Segundo ele, as autoridades confiscaram todos os exemplares da revista, e fez uma ameaça: “Aqueles que forem insolentes com nosso profeta e outros profetas serão responsabilizados perante a lei”.
Uma investigação foi aberta pelo Ministério Público de Istambul, e o ministro da Justiça, Yilmaz Tunc, afirmou que os responsáveis pela publicação poderão ser condenados pelo crime de "insulto público a valores religiosos”.
“Nenhuma liberdade garante o direito de tornar os valores sagrados de uma crença objeto de humor horroroso. A caricatura ou qualquer forma de representação visual do nosso profeta não só fere nossos valores religiosos, como também prejudica a paz social", escreveu Tunc no X.
Fundada em 1991, a LeMan tem uma linha editorial pautada na sátira política, e há anos é criticada por setores conservadores. Em 2015, a publicação apoiou a revista francesa Charlie Hebdo após um atentado que deixou 15 mortos em sua redação em Paris, ligado à publicação de uma charge com o profeta Maomé, e foi duramente criticada por lideranças religiosas na Turquia.