'Isso é uma farsa': lideranças evangélicas como Feliciano e Malafaia se dividem sobre pastor mirim e 'cura divina'

06 de maio de 2025 às 10:34
Brasil

Reprodução

O Globo

Conhecido como “missionário” e “profeta mirim”, o adolescente Miguel Oliveira, de 15 anos, dividiu evangélicos ao trazer à tona discussões sobre a fronteira que separa pregações de cura divina, um dos pilares na crença pentecostal, e charlatanismo. O tema é delicado para lideranças evangélicas, que historicamente creditam ao preconceito religioso acusações de manipulação ou enganação feitas contra essas igrejas. Mas pregadores com notoriedade como o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) e o pastor Silas Malafaia alegaram haver uma tentativa de “transformar em negócio” a atuação de Miguel e criticaram a família do adolescente.

Vídeos em que Miguel diz curar uma mulher de câncer e alega ter nascido surdo e mudo, antes de falar de forma inesperada quando tinha 3 anos, geraram controvérsia entre evangélicos, com um misto de críticas e declarações de apoio. Na semana passada, representantes do Conselho Tutelar de Carapicuíba (SP) orientaram os pais a retirá-lo por tempo indeterminado de cultos e a limitar sua exposição nas redes sociais, segundo o relato do pastor Márcio Dias, da Assembleia de Deus Avivamento Profético, onde o jovem passou a fazer pregações há pouco menos de um ano.

Embora o pastor tenha afirmado que Miguel “aceitou de bom grado” a orientação, o adolescente passou a exibir em seu perfil no Instagram, onde acumula 1,4 milhão de seguidores, uma foto em que aparece amordaçado. No fim de semana, Miguel disse ter sido agredido por seguranças do evento Gideões da Última Hora, um congresso anual organizado pela Assembleia de Deus de Camboriú (SC), e “tirado à força” do local.

Em discurso no congresso, Feliciano lembrou ter iniciado as pregações ainda menor de idade, como Miguel, e disse ter explicado ao jovem que ele foi barrado de subir ao palco do Gideões para não sofrer mais ataques nas redes sociais. Ao pedir que Miguel seja melhor orientado, Feliciano criticou a família do adolescente e o aconselhou a “não deixar nenhum pastor te usar para receber oferta”.

— Se as pessoas fossem nos cultos que eu pregava e tirassem um recorte, iam me ver falando coisas de menino — disse o deputado. — Miguel precisa de ajuda, precisa de pessoas que não vivam para transformá-lo em negócio.

Feliciano se tornou conhecido no meio evangélico por pregações que envolvem “falar em línguas estranhas”, o que é entendido na doutrina pentecostal como uma das formas de manifestação dos dons do Espírito Santo — que também pode ocorrer, segundo a crença, através de curas divinas. Esta crença não é compartilhada pelos evangélicos de denominações históricas, como os batistas e os presbiterianos.

Líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, uma das centenas de ramos da denominação pentecostal, o pastor Silas Malafaia disse haver “gente adulta faturando grana” com a notoriedade do jovem pastor. Na avaliação de Malafaia, que classificou a atuação de Miguel como farsa, o adolescente “imita o pastor que usa o transcendental para atrair as pessoas”.

— Sou pentecostal e conheço o sobrenatural, mas isso é uma farsa. Lamentavelmente, o movimento pentecostal tem uma coisa que chamamos de “meninice”, que é acreditar em qualquer coisa que pareça vir de Deus. Ele está usando o transcendental para falar bobagem, dizendo que foi curado e não foi. Ele precisa ser ensinado, porque é o menor culpado nisso, e o povo evangélico precisa ter discernimento — afirmou Malafaia.

O GLOBO não conseguiu contato com os pais de Miguel. Procurado, o pastor Márcio Dias afirmou que “não responde financeiramente” por Miguel.

— Entendo que é um momento para ele evitar a mídia e se dedicar aos estudos, creio que essa também seja a ideia dos pais. Comecei a pregar aos 6 anos, e realmente é uma pressão começar tão cedo — reconheceu Dias.

Em uma pregação de Miguel que causou controvérsia, em uma igreja em Alphaville (SP), o adolescente rasga uma série de papéis diante de uma paciente de câncer enquanto afirma que “rasga o exame”, “filtra o sangue” e “cura a leucemia”. Diante da repercussão, a mulher, identificada como Kelly, divulgou um vídeo nas redes sociais afirmando que segue em tratamento e o pastor não rasgou seus exames, mas folhas de papel com as palavras “leucemia” e “câncer”.

Em outro episódio que causou polêmica, Miguel declarou em entrevista a um podcast, em setembro de 2024 que “recebeu um diagnóstico de não ter as cordas vocais e os tímpanos” logo após seu nascimento, mas acordou “falando e ouvindo” após o terceiro aniversário e imediatamente começou a pregar. Em declaração no domingo ao portal Assembleianos de Valor, Miguel disse que apenas tinha “a língua travada e dificuldades de audição”, mas nunca “foi dado um laudo ou um exame” apontando alguma condição permanente. Na entrevista, ele também admitiu ter “cometido excessos” nas suas pregações.

Na contramão de pastores como Malafaia, o influenciador digital e empresário Pablo Marçal (PRTB) endossou Miguel. Em uma palestra no início de março, Marçal — acusado por Malafaia de tentar “perturbar a igreja” e desafiar a autoridade de pastores — disse ter entrado em contato com o jovem e que, no seu lugar, “não ficaria dando respostinha para ninguém”.

— Continua firme, vai fazer doidura (sic) maior. Teologia nunca vai ser consenso, nem dentro da Igreja Católica, nem da evangélica, nem em lugar nenhum — afirmou o candidato derrotado a prefeito de São Paulo, condenado duas vezes a oito anos de inelegibilidade por irregularidades na campanha de 2024.

Para o cientista político Vinícius do Valle, pesquisador das Assembleias de Deus e diretor do Observatório Evangélico, as reações ao pastor adolescente expõem uma disputa pelo público religioso.

— Quanto mais “moderna” a igreja, maior a tendência de se abrir a diferentes linguagens. Algumas exploram crianças que mimetizam o comportamento dos adultos, neste caso de forma caricata, o que pode gerar uma reação de pastores contrários ao que enxergam como vulgarização. Já o “evangelicalismo coach” de Marçal incentiva a ideia de que o que importa é seu próprio ímpeto.

Valle aponta ainda que, dada a fragmentação e a multiplicidade do campo evangélico, há igrejas com dificuldade e receio de reagir a acusações de má conduta contra seus pares.

‘Liberdade de crença’

Controvérsias envolvendo cura divina já atingiram nomes como o pastor Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, e o missionário Romildo Ribeiro Soares, da Igreja Internacional da Graça. Eventuais punições, no entanto, esbarram em argumentos de crença.

Em 2020, o Ministério Público Federal entrou com uma ação para investigar Valdemiro por supostamente associar a venda de feijões com curas de Covid-19. O caso segue em aberto. Em decisão liminar, a Justiça Federal de São Paulo afirmou que “a liberdade de crença não pode ser indevidamente restringida pelo Estado”, mas pediu o Ministério da Saúde a informar publicamente que não há eficácia científica comprovada para o uso de feijões. No caso de RR Soares, ele foi alvo de críticas, no mesmo ano, por manter um “placar da cura” da Covid e associá-lo a uma “água consagrada”. O caso tampouco gerou sanções

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