Desastre inédito: entenda por que Porto Alegre vive colapso sem precedentes, com falta de luz, água e suprimentos

07 de maio de 2024 às 10:44
Brasil

Em Porto Alegre, homem passa com prancha enquanto equipes de resgate vasculham prédios. — Foto: Nelson Almeida/AFP

O Globo

A capital do Rio Grande do Sul está sob alerta de “inundação severa” devido à elevação do nível do Guaíba, que na manhã desta segunda-feira atingiu o maior patamar da série histórica, de 5,33 metros às 11h15, segundo a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) e a Agência Nacional de Águas (ANA). A via fluvial, a principal de Porto Alegre, registrou uma ligeira queda no nível ao fim do dia, fechando em 5,29 metros. Antes das cotas atingidas em 2024, a cheia mais alta era a de 1941 (4,76 metros).

O alerta emitido pela Defesa Civil na manhã desta segunda atestou a continuidade dos níveis de inundação e pediu que a população busque locais seguros. Nota técnica do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), divulgada nesta segunda, aponta nível de estabilidade deste domingo, quando registrou média de 5,3 metros. A principal preocupação dos pesquisadores, agora, são a duração dos níveis elevados e a possibilidade de repiques devido a novas chuvas ou pelo vento.

O que explica a calamidade vivida em Porto Alegre?

Vivendo situação inédita de calamidade pública, Porto Alegre vem sofrendo com alagamentos devido às cheias do Guaíba, principal via que abastece a cidade. Apenas na última semana, o nível subiu mais de 2 metros acima da cota de inundação e atingiu patamar recorde nesta segunda, de 5,33 metros. O limite máximo sem correr riscos é de 3 metros.

A isso se soma a geografia da planta fluvial gaúcha. Há uma série de afluentes do interior do estado que desembocam no Guaíba, o que em estado normal não gera problemas de cheias. Com o aumento das chuvas, cresce a quantidade de água alimentando o rio, que por outro lado enfrenta dificuldade de escoamento na Lagoa dos Patos, principal lagoa do Rio Grande do Sul e caminho para a água do Guaíba. Lá, há outras barreiras que levam à demora ao escoamento: movimento dos ventos e uma saída apertada para o Oceano Atlântico.

Vista aérea do aeroporto e da cidade de Porto Alegre — Foto: Ricardo Stuckert/Presidência Brasileira / AFP
Vista aérea do aeroporto e da cidade de Porto Alegre — Foto: Ricardo Stuckert/Presidência Brasileira / AFP

Ameaça aos diques de proteção

Porto Alegre é margeada por 24 km de diques externos de contenção, que foram instalados como forma de prevenir eventuais avanços de rios sob a cidade. O sistema atravessa vários bairros da capital, e a região em que há um muro de contenção é margeada por 14 comportas. No último sábado, o dique que represa as águas do Rio Gravataí, situado ao lado da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), na Zona Norte de Porto Alegre, extravasou.

Naquele dia, a Prefeitura da capital gaúcha emitiu um alerta de evacuação para o bairro Sarandi, no entorno do dique, e está removendo os moradores do local com apoio do Exército e Bombeiros.

Previsão do esvaziamento

A previsão do IPH indica um cenário de cheia duradoura, com a estabilização do patamar do Guaíba, em torno de 5 a 5,5m, por mais três dias, e sem a redução abaixo da cota de inundação de 4m até a próxima semana.

De acordo com o gráfico elaborado pelos cientistas, o nível deve ficar abaixo dos 4m apenas na madrugada do próximo dia 13, no cenário mais otimista, sem novas chuvas.

Na previsão conservadora, o nível do Guaíba não deve chegar a marca inferior aos 4m antes do próximo dia 16.

Energia e telefonia

Mais de 160 mil clientes de Porto Alegre estão sem acesso à energia elétrica, de acordo com a CEEE Equatorial, concessionária que controla o serviço na cidade. O último levantamento, feito pela empresa na noite desta segunda, aponta que 168.534 locais vivem nessa situação, sendo que 163,5 mil desligamentos foram efetuados por recomentação da Defesa Civil, do Corpo de Bombeiros e da prefeitura para "garantir a segurança da população".

Ainda não há previsão de quando a energia será restabelecida, mas a empresa informou que avalia a possibilidade de normalizar o fornecimento de energia "o mais breve possível" desde que não haja risco para os clientes.

Já o serviço de telefonia e acesso à internet segue instável e/ou com intercorrências em várias localidades de Porto Alegre, comprometendo a atividade de todas as operadoras — Vivo, Claro e Tim —, de acordo com a Conexis Digital, que reúne as empresas do setor. Em muitos casos, a falta de acesso aos serviços tem relação com a queda de energia em pontos da cidade.

Em todo o estado, as operadoras de celular liberam sinal de internet para moradores atingidos, permitindo que pessoas vinculadas a operadoras sem sinal consigam acessar rede de internet de outra operadora de forma automática. A modalidade garante uma forma que as pessoas possam se comunicar durante a calamidade.

Aeroporto Salgado Filho

Por conta das chuvas, o Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, ficará fechado por tempo indeterminado. A previsão inicial era de que as operações seriam retomadas na sexta-feira passada. A ampliação do prazo foi confirmada pela concessionária Fraport Brasil nesta segunda-feira.

Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, alagado com os temporais que atingem o Rio Grande do Sul — Foto: Divulgação / Fraport
Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, alagado com os temporais que atingem o Rio Grande do Sul — Foto: Divulgação / Fraport

Rodovias bloqueadas

As chuvas comprometeram cinco rodovias federais de acesso a Porto Alegre, segundo mapeamento do governo do estado divulgado nesta segunda-feira. Quatro das cinco vias afetadas pelas chuvas estão com interdições totais, entre elas, as estradas com destino a municípios da região metropolitana da capital, como Niterói e Canoas, e de Eldorado do Sul, também muito devastada pelas chuvas. Há ainda uma via, próxima à Arena do Grêmio, que sofre com interdição parcial.

O trecho da BR-290 que liga a Ilha do Pavão ao continente não pode ser atravessado porque o excesso de água nos dois sentidos impede a montagem de uma ponte móvel.

Bairros sem água

Cinco das seis estações de tratamento de água de Porto Alegre estão inoperantes, comprometendo o abastecimento em pelo menos 67 bairros da capital gaúcha. Na noite deste domingo, o prefeito da capital, Sebastião Melo, informou que a situação já afetava 70% da população. O percentual chegou a 85% em balanço atualizado nesta segunda.

Apenas uma estação está em funcionamento, a de Belém Novo — a unidade de Menino Deus deixou de operar na noite desta segunda. Segundo o Departamento de Água e sgoto da prefeitura, não há previsão de retomada das atividades.

Pontos turísticos

Importantes para o turismo gaúcho, pontos turísticos de Porto Alegre viraram áreas totalmente alagadas nos últimos dias. Os estádios do Grêmio e do Internacional, a Arena do Grêmio e o Beira-Rio, ficaram debaixo d'água, e os clubes pediram nesta segunda a suspensão de jogos pela CBF diante das chuvas. Outras localidades afetadas foram o Mercado Modelo e o Centro Histórico de Porto Alegre.