Peruana tem aparelhos desligados 3 meses após Justiça autorizar morte

07 de maio de 2024 às 10:25
Mundo

Maria Benito - Foto: Arquivo Pessoal

UOL

A administradora peruana Maria Teresa Benito Orihuela, 66, morreu na sexta-feira (3) depois da retirada da ventilação mecânica que a manteve viva artificialmente por seis anos. A Justiça havia reconhecido o direito de ela rejeitar um tratamento de saúde em 1º de fevereiro.

O que aconteceu

Um médico ligado ao EsSalud, a seguradora pública de saúde do Peru, concordou em fazer o procedimento, aplicando uma sedação e desligando o respirador. Maria era portadora de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença neurológica degenerativa e incurável que havia comprometido quase todos os músculos de seu corpo — da deglutição ao aparelho respiratório.

Doze profissionais do EsSalud haviam se recusado a cumprir a sentença invocando a lei de Liberdade Religiosa e sob alegação de objeção de consciência. É um direito que a categoria tem de não praticar atos que atentem contra seus valores pessoais.

Foi o segundo caso judicializado no país sobre o direito à morte digna. Os dois filhos de Maria apoiavam a luta da mãe.

A administradora respirava por meio de uma traqueostomia conectada a um ventilador mecânico e se alimentava por meio de uma sonda ligada ao estômago. Ela seguia lúcida e se comunicava por meio de um aparelho que lia o movimento de seus olhos. Nos últimos meses, uma conjuntivite estava comprometendo sua visão e colocava em risco sua única forma de comunicação.

"Minha mãe abriu muitas portas para que as pessoas entendam que temos o direito de decidir sobre a última etapa de nossas vidas. Deixar partir é um grande ato de amor". Ketty Solano, psicóloga, filha de Maria

Eutanásia x rejeição a tratamento

O caso da administradora, junto com o da psicóloga Ana Estrada, mobilizou o país em torno de um debate sobre o direito à morte digna. A psicóloga era portadora de poliomiosite, doença degenerativa e incurável, e se submeteu a uma eutanásia autorizada pela Justiça — apesar de a legislação local proibir a prática.

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As duas situações, no entanto, são diferentes. A eutanásia consiste em uma conduta ativa em que se administra uma substância letal a um paciente. Já o caso de Maria se enquadrou no que se chama adequação de esforço terapêutico — quando um paciente decide não iniciar ou suspender um tratamento médico, permitindo que a doença siga seu curso e que ocorra uma morte natural.

O próprio sistema público de saúde do Peru confundiu o pedido de Maria com uma eutanásia — e, por isso, inicialmente se negou a retirar o ventilador. "O pedido de Maria sempre esteve amparado na Lei Geral de Saúde, em seu regulamento e no Código de Ética Médica", argumentou a advogada Josefina Miró Quesada em um comunicado. "Maria teve que enfrentar um processo judicial desnecessário diante da negativa infundada do EsSalud de respeitar sua decisão."

'Morte é parte da vida'

Em sua última mensagem, Maria agradeceu a todos que a apoiaram em sua luta e deixou claro que amava a vida.

Nunca me senti sozinha. No entanto, não foi nada fácil. Quero que saibam que todos têm esse direito. Ninguém sabe como será sua velhice, mas o que se sabe é que não é necessário sofrer ou fazer sofrer sua família. (...) Amo a vida, mas não nessas condições. (...) Vou contente porque cumpri parte dos meus sonhos e projetos e deixo de legado dois filhos maravilhosos, netos e bisneto.

A filha de Maria espera que o caso da mãe quebre os tabus sobre o assunto e que ajude outros pacientes. "A morte é parte da vida. Como pode ser tão difícil falar sobre a morte se é algo tão certo?", questionou.